

Sermão do Descerramento emociona fiéis e denuncia a cruz dos moradores de rua e o sofrimento escondido nos lares da cidade
A Sexta-feira da Paixão, marco solene da fé cristã, foi vivida intensamente em Três Pontas, numa jornada de silêncio, oração e profunda reflexão sobre o sofrimento de Cristo e as dores da humanidade. É o momento mais comovente da Semana Santa, quando a Igreja Católica convida os fiéis a contemplarem a entrega de Jesus na cruz e a meditarem sobre as muitas cruzes que ainda hoje pesam sobre os ombros dos homens e mulheres do nosso tempo.
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Durante a tarde, nas paróquias Nossa Senhora Aparecida e Nossa Senhora das Graças, foram celebradas a Solene Ação Litúrgica da Paixão do Senhor. As cerimônias presididas pelos seus párocos, foram marcadas pela sobriedade, incluiu a proclamação do Evangelho, a adoração da cruz e a comunhão, num clima de reverência que tomou conta dos fiéis presentes.


À noite, a emoção tomou conta da Praça Cônego Victor, onde foi realizado o tradicional Sermão do Descerramento da Cruz. A cerimônia, uma das mais aguardadas da Semana Santa, reuniu uma multidão de fiéis que acompanharam, em profundo silêncio, as palavras do padre Leandro Portugal, que conduziu o momento após a abertura feita pelo diácono Alessandro Carvalho.
Durante cerca de 55 minutos, padre Leandro guiou os corações dos presentes por uma intensa meditação sobre o mistério da cruz. Seu sermão foi marcado não apenas pela lembrança do sacrifício de Jesus, mas por uma atualíssima leitura das dores contemporâneas que afligem os moradores da cidade e do mundo. As sete palavras de Cristo na cruz — “mais que lembrança, são roteiro de salvação”, como definiu o sacerdote — foram o ponto de partida para reflexões que tocaram fundo na alma da comunidade.
O padre falou sobre o perdão, a confiança em Deus e o amor até o fim, mas também apontou as “cruzes” que muitos carregam em silêncio: A cruz das mães que enterram seus filhos ainda jovens, vítimas de tragédias, guerras ou da violência que ainda marca nossas esquinas. A cruz dos leitos hospitalares, onde mães se desdobram em amor e oração enquanto acompanham, entre fios e monitores, filhos em tratamento contra o câncer. A cruz das famílias dilaceradas por heranças disputadas, por divisões religiosas ou por ideologias políticas que transformaram irmãos em estranhos, esquecendo que o amor é maior do que qualquer voto ou bandeira. A cruz dos pais que se esgotam no trabalho para sustentar seus lares, mas que, na correria, acabam ausentes no convívio afetivo com seus filhos.
E, com especial ênfase, a cruz dos moradores de rua de Três Pontas — homens e mulheres que, muitas vezes ignorados, encontram repouso nas calçadas e nas portas do Templo onde estão os restos mortais do Beato Padre Victor. Padre Leandro lembrou que esses irmãos continuam chegando em silêncio, trazendo no corpo a poeira da rua, e nos olhos a súplica por um pouco de paz, por uma refeição, por uma veste limpa — mas, sobretudo, por um olhar que os reconheça como filhos de Deus.
“Como carregar a cruz daqueles que dormem nas calçadas desta cidade, dos que buscam abrigo nas portas deste santuário, onde repousam os restos mortais do Beato Padre Victor?”, perguntou o sacerdote, lembrando o legado do pastor que, com mãos generosas, acolheu os pobres e esquecidos do seu tempo. “Eles continuam chegando…”, prosseguiu, em tom emocionado, convidando todos a enxergarem nesses rostos sofridos o próprio Cristo crucificado.
Ao final, o padre conclamou os presentes a um profundo exame de consciência. “Que raízes de orgulho, que silêncios de indiferença, que medos antigos ainda impedem nosso coração de ser plenamente do Senhor?”, indagou, ressaltando que a verdadeira fé cristã exige ação, empatia e presença junto aos que mais sofrem.
A cerimônia terminou com orações e emoção visível entre os fiéis. A cruz, símbolo máximo do cristianismo, foi descerra diante da multidão, que, em silêncio, levou para casa não apenas a lembrança de um rito sagrado, mas um verdadeiro apelo à conversão do coração.
Em Três Pontas, a Sexta-feira da Paixão foi mais do que um dia de tradições religiosas — foi um convite à compaixão, à escuta e à solidariedade. Um lembrete de que Cristo continua crucificado nos sofredores do nosso tempo, e que cada fiel é chamado a ser Cireneu do irmão.
