Texto e fotos: Denis Pereira/EP

 

Matheus era tio da menina de 14 anos, assassinada de forma brutal em agosto de 2023. Ele usou da confiança da família para dificultar que fosse descoberto, fingindo ajudar nas investigações

O Fórum Pimenta da Veiga em Nepomuceno ficou lotado durante quase todo o expediente nesta quinta-feira (03), para o Júri Popular que condenou Matheus Camilo Marcos, de 26 anos, pela morte de sua sobrinha, a adolescente Natally do Nascimento Oliveira. O tratorista foi condenado a 28 anos de prisão. A pena foi somada a 19 anos de reclusão pelo homicídio, a 8 pelo estupro e 1 ano pela ocultação de cadáver, sem o direito de recorrer em liberdade. A menina morava no bairro Jardim das Esmeraldas em Três Pontas.

A sessão começou no horário previsto, as 8:30 da manhã, com o sorteio dos sete jurados e todos os depoimentos foram colhidos ainda no período da manhã. Uma das testemunhas de acusação foi dispensada e não havia nenhuma testemunha de defesa arrolada no processo. Familiares de Natally permaneceram o tempo todo no Fórum junto a moradores da cidade. Eles usaram faixas e cartazes pedindo a condenação do rapaz. Ninguém da família do acusado compareceu.

No intervalo do almoço, por volta de meio dia, todas as testemunhas já haviam sido ouvidas, inclusive policiais civis e militares e o próprio Matheus, que confirmou o depoimento dado no dia em que foi preso.

Matheus sempre foi o principal suspeito das polícias

O primeiro a ser ouvido na sessão do Júri, foi o subcomandante da Polícia Militar de Três Pontas, Tenente João Evangelista Monteiro Filho. Ele contou que o caso gerou o empenho maciço da PM desde a notícia dada pela mãe, na sexta-feira. No fim de semana, após Matheus informar que havia rastreado o celular de Natally e o sinal havia dado no cafezal que fica acima do bairro Jardim das Esmeraldas, a Polícia Militar, acionou o Corpo de Bombeiros. Com apoio de cães farejadores e drones, as buscas foram feitas durante toda a manhã de domingo e nenhum sinal da menina.

Quando a polícia foi saber, descobriu que aquilo era uma montagem que o próprio Matheus havia feito. Enquanto isso, a família recebia diversas informações, mas nenhuma era verdadeira.

A família só descobre posteriormente, que depois que Matheus levou a companheira, a mãe de Natally ao supermercado, ele havia retornado na casa para buscar uma jaqueta. A PM então passou a monitorar pelas câmeras e descobre que ele mentiu, pois alegava que estava sozinho no carro preto, que ele havia comprado há poucos dias, mas as imagens mostram que alguém estava com ele, mas não havia condições ainda de confirmar que era Natally.

Um dia antes da prisão dele, na quinta-feira da semana seguinte, chega a informação que Matheus foi na oficina que ele havia deixado o carro e pergunta às pessoas que estavam lá sobre enterrar o corpo, se cães achariam a que profundidade e se poderia haver odor.

No dia seguinte, Tenente Monteiro convoca a família toda para uma reunião e diz que Matheus teria que estar junto. O policial afirma que já havia acionado o Canil do Batalhão de Varginha e uma equipe especializada estaria vindo de Belo Horizonte, com drones termais que seria capaz de identificar o corpo em qualquer situação. Antes de sair de lá, o Tenente falou ao padrasto que observaria se Matheus saísse. Não deu outra. Ele chamou um veículo por aplicativo e foi para a zona rural de Nepomuceno, onde morava e estava trabalhando até poucos dias.

Em uma viatura descaracterizada, uma equipe foi até a Fazenda Santo Antônio. Quando chegou e iriam cortar a cerca, o proprietário chegou e foi contado a ele sobre a suspeita. O fazendeiro contou que tinha ouvido falar do envolvimento de Matheus, mas que ele havia sido dispensado e estava para deixar o local. Neste momento, ele apareceu, os policiais o abordaram e não teve como mais esconder. O rapaz indicou onde havia enterrado o corpo da adolescente e começou a detalhar o que teria ocorrido. Na versão dele, Natally teria aceitado ficar com ele. Ele a levou para a roça, os dois teriam mantido relação sexual, com a permissão dela, alega Matheus, que teria dito que era virgem e que eles haviam ficado na varanda da casa, um local bastante precário, na visão de Tenente Monteiro.

O que teria acontecido para ela ser morta é que, em determinado momento, Natally pediu que ele parasse, mas ele insistiu. Ela então ameaçou que contaria para toda sua família ao chegar em casa. Foi ai, que ao sair e caminhar em direção ao carro, Matheus pegou um pedaço de madeira que estava no chão, deu a primeira paulada que acertou a nuca dela. Depois, um segundo golpe atingiu o rosto. Ele mesmo contou que ela começou a expelir muito sangue pela boca e a se contorcer. Com a intenção de acabar com a vida da adolescente, o rapaz a enforcou até a morte. Para terminar o serviço, ele arrastou o corpo pelo chão até chegar em uma área onde havia sido arrancada uma árvore. Lá, Matheus jogou Natally e colocou terra por cima.

A intenção dele era enterrar mais o corpo. As 16 horas, ele já havia conseguido um trator e ele mesmo jogaria mais terra sobre o corpo para não ser encontrado. Os planos deram errado porque a polícia chegou.

Já o inspetor da Polícia Civil Guilherme Rodrigues, revelou que a Polícia Civil foi informada na segunda-feira do desaparecimento da adolescente através da mãe e do seu companheiro que foram até na Delegacia.

Na conversa, Natanea contou que o cunhado havia conseguido a localização do sinal de celular da sua filha. A iniciativa levantou a suspeita dos investigadores, já que este é um recurso que depende de determinação judicial. Eles falaram com Matheus por telefone que não soube explicar como havia conseguido aquilo. No dia seguinte, com autorização da justiça, a Polícia Civil foi até a propriedade onde estava morando para que ele explicasse. Sem sinal de internet, o rapaz se enrolou todo na justificativa e por fim, admitiu que era mentira, mas que a intenção dele era ajudar. No celular dele, havia uma montagem do que havia feito para apresentar à família. Naquele momento não havia dúvidas de que ele tinha envolvimento no sumiço de Natally, mas não tinha como provar. Os investigadores pensaram que ele fosse confessar, mas não foi o que ocorreu. Ele estava bastante assustado, dizendo que não poderia ser acusado de estupro.

A equipe refez o caminho que ele diz ter feito e verificou todas as câmeras de segurança deste percurso. Em uma delas de uma residência, o próprio inspetor Guilherme Rodrigues, percebeu em uma determinada rua, o carro preto de Matheus reduzindo a velocidade para passar em um quebra-molas e no banco do passageiro, ao lado do motorista, Natally assentada. Mas ele a todo momento negava ter alguém com ele.

A Polícia Civil pediu a quebra do sigilo telefônico e descobríu que na data do desaparecimento, o sinal dos celulares estão juntos, no mesmo local, na fazenda onde Matheus morava. Eles descobriram que antes de levar a adolescente para a zona rural, ele teria comprado um pino de cocaína para usar.

Quando foi na sexta-feira de manhã, o delegado Dr. Gustavo Gomes descobre que Matheus teria confessado o crime e revelado os detalhes. Guilherme diz ter ficado frustrado não ter fechado o caso na terça-feira, mas havia a preocupação de encontrar a materialidade do crime que era o corpo. Mesmo sendo encontrado em avançado estado de decomposição era necessário para concluir o inquérito e responsabilizar o acusado.

Mãe de Natally nunca gostou de Matheus

Natanea Nascimento foi ouvida no Júri e disse que nunca gostou de Matheus, que sabia que ele inclusive era usuário drogas. Ela contava isso para a irmã que não acreditava. Por diversas vezes, ele teria falado para que Natally fosse até a propriedade onde ele morava, mas a mãe nunca deixou. Apesar de não confiar nele, nunca imaginou que seria capaz de fazer o que fez.

No dia que a filha sumiu, ele foi ao supermercado depois que se ofereceu para levá-las, com a condição que elas pagassem a gasolina no carro. Ele as levou, passou no posto de combustíveis abasteceu R$20 e foi embora. Porém, ninguém sabia que teria voltado para pegar uma jaqueta que havia esquecido. Natanea achou que a filha teria sido sequestrada. Desde o início ela afirmava que a menina não tinha nenhuma relação amorosa com ninguém e negou que poderia fugir de casa. A rotina era sempre a mesma: casa, escola e igreja. Bastante tímida e de pouca conversa, só saia acompanhada por algum familiar.

Foi Natanea que contou no Júri, que na madrugada do dia que Natally desapareceu, Matheus lhe enviou uma mensagem demonstrando sua preocupação com o sumiço da menina. Ele inclusive postou em uma rede social, pedindo que as pessoas ajudassem com informações para que a sobrinha fosse encontrada.

Hoje, Natanea faz acompanhamento psicológico e psiquiátrico e demorou muito tempo para conseguir trabalhar. A filha única era a sua companhia em casa.

Matheus confirma relação, mas nega estupro

Matheus Camilo falou poucas palavras ao ter a oportunidade de se defender no Júri. A juíza Dra. Patrícia Narciso Alvarenga fez a leitura do depoimento dado em 18 de agosto, dia em que foi preso. Ele apenas acrescentou que a relação que manteve foi consentida e que não a forçou a nada.

MP diz que assassino ofereceu apoio à família

Matheus Camilo se aproveitou por ser praticamente da família para oferecer um ombro amigo quando a tragédia do sumiço da adolescente ocorreu. Ele tentou, na visão do promotor de Justiça Dr. Pedro Henrique Guimarães Costa ludibriar as forças de segurança que agiram rápido para que fosse imposto a resposta à condenação do acusado. Ele detalhou as qualificadoras solicitadas pelo Ministério Público, como motivo torpe e fútil, (matou para não ser responsabilizado pelo crime de estupro) usando meio cruel e que dificultou a defesa da vítima. Ele acertou as pauladas em Natally quando ela estava de costas.

Foi preciso fazer o exame antropológico que é uma análise dos ossos para concluir o laudo para o inquérito, incluso no processo. Dr. Pedro disse que este é o tipo de crime que não pode ser tolerado e Nepomuceno, através do Conselho de Sentença, daria resposta à tamanha brutalidade.

O advogado assistente de acusação contratado pela família, Dr. Thomas Augusto Petrini, trouxe novas informações importantes ao caso. Que o tempo medido entre o bairro Jardim das Esmeraldas e a fazenda onde Matheus morava e levou Natally é de 40 minutos. Este é o tempo que ela deve ter passado momentos de terror. Ele teria alegado que a levaria junto a mãe no supermercado e não sabia que estava sendo levada à morte. Por isso, é que segundo Dr. Thomas, o acusado não quis falar pois as provas são contundentes. A alegação apenas é que a relação foi consentida, que levou a menina para uma ‘ficada’ rápida, porém, é preciso observar o tempo de deslocado, o que seria gasto na relação e depois mais 40 minutos para voltar para casa dela. “Condenar Matheus era para dar o mínimo de conforto à família, mesmo que isso não traga a menina de volta”, justificou o advogado.

Fala da defesa gera revolta na mãe, que deixa o Salão do Júri

Quando o advogado de defesa que foi nomeado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) teve o seu tempo para falar, muitas pessoas da família de Natally deixaram o salão. Dr. Luiz Henrique Fernandes Santana justificou que se não fosse ele, o Júri não estaria acontecendo. Ao todo 8 advogados também nomeados abandonaram o caso. Ele estava completando com este caso o 91º Júri de sua carreira. Admitiu ser dos casos mais graves e que estaria pedindo a condenação de Matheus, sabendo que seria altíssima, porém, de acordo com o processo e não com a repercussão que o caso teve, fazendo a justiça, na opinião dele.

A discordância de Natanea com a fala de Dr. Luiz Henrique começou quando ele disse que ela deveria perdoar o assassino de sua filha, já que nada vai trazê-la de volta. A mãe começou a chorar. Depois, o ápice foi quando ele diz que a relação sexual mantida havia sido de forma consensual, por isso, Matheus não devia ser julgado pelo crime de estupro.

Natanea se levantou, gritou que o advogado não deveria ter filhos. Ele respondeu que sim, que entende a dor que ela esteja passando, reforçou o pedido pela condenação, mas sem vingança e sim justiça. Ela saiu e foi acompanhada por alguns familiares.

Outras manifestações do defensor causaram revolta no salão, quando ele afirmou que uma menina de 14 anos muitas das vezes já é uma mulher. Na defesa dele, o exame não confirmou o estupro e não houve materialidade. O útero dela foi analisado e estava intacto o que reforça, alega, que o estupro não ocorreu, independente da posição em que a relação sexual aconteceu.

Outro ponto da defesa, pegando como base o depoimento do inspetor da Polícia Civil Guilherme Rodrigues havia afirmado anteriormente, que Matheus comprou um pino de cocaína e usou, Dr. Luiz Henrique defendeu que o acusado naquele momento não estava lúcido e em plena consciência do que estava fazendo.

Acrescentou, que a qualificadora pedida pelo MP, que a morte foi por meio cruel não fosse acatada pelos jurados. “Foi eficaz porque as pauladas causaram a morte, mas não foi cruel, porque a causa da morte foi por traumatismo craniano”, defendeu o advogado. Se houve uma discussão entre eles, a tese que a ação de Matheus dificultou a defesa da vitima também não deveria ser levada em consideração, uma vez que se eles discutiram, é previsível que poderia ocorrer uma agressão naquele momento.

Por fim, que a pena seria diminuída, já que o corpo foi encontrado porque Matheus teria indicado, retirando portanto a acusação de que houve a ocultação do cadáver, uma vez também, sustentou a defesa que o corpo estava parcialmente coberto por terra. “Ele só juntou a terra e jogou por cima, sem premeditar em ocultar o corpo”, alegou Dr. Luiz Henrique.

Réplicas 

O assistente de acusação Dr. Thomas Augusto Petrini, diz nunca ter visto tantos advogados desistindo de uma única causa, todos eles nomeados. Ao fazer a leitura de parte do depoimento de Matheus, ele também trouxe um trecho inédito, em que o acusado afirma que no caminho para a fazenda onde foi morta, Natally fazia carícias em seu órgão genital. Porém, a mãe da vítima disse que a filha nunca teve sua sexualidade aflorada, não só pela sua idade, mas pela vida pacata que vivia.

A resposta veio do advogado de defesa, Dr. Luiz Henrique que chamou os colegas de advocacia de “covardes”, mesmo sem saber o que teria os motivado a abandonar o caso.

As 14:40 o Salão do Juri foi esvaziado para que a votação ocorresse. As 15:25 foi lida a sentença. Após a leitura, quem acompanhava aplaudiu. O promotor de justiça Dr. Pedro Henrique foi abraçado pelos familiares da vítima, como forma de agradecimento. A defesa ainda não sabe se vai recorrer da sentençã.

A Polícia Penal pediu apoio da Polícia Militar para deixar o prédio do Fórum. Matheus foi levado para o Presídio Inspetor José Martinho Drumond, em Ribeirão das Neves. Lá é onde ficam os chamados presos “seguros”, que são detentos que cometeram crimes sexuais. Antes de ir para a região metropolitana, ele já passou pelos presÍdios de Lavras e Boa Esperança.

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