O prefeito de Três Pontas Luis Carlos, o juiz Dr. Bruno Ville, o delegado Dr. Gustavo Gomes e o presidente da Câmara Myller Bueno.

 

Por Mariana Tiso e Denis Pereira

Nesta quarta-feira, dia 10 de dezembro, o Salão do Júri do Fórum Dr. Carvalho de Mendonça viveu uma tarde que ultrapassou a formalidade de uma cerimônia e se tornou, por si só, um capítulo relevante da história recente de Três Pontas. A entrega da Medalha Desembargador Hélio Costa ao Delegado Gustavo Gomes e a homenagem póstuma ao servidor José Henrique Portugal uniram em um mesmo espaço passado, presente e futuro, transformando o ambiente em um território de memória, reconhecimento e profunda reverência ao serviço público. Não se tratou apenas de uma honraria, mas de um reencontro com raízes, trajetórias e valores que marcaram gerações. Em cada discurso, cada olhar emocionado e cada lembrança compartilhada, emergiu a percepção de que a Justiça não se faz apenas com técnica, mas com pessoas, histórias e vínculos.

Os homenageados foram indicados por uma comissão constituída em conformidade com o que estabelece a Resolução nº 411/2003 do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. São membros da comissão, o diretor do Foro, que é o presidente Dr. Bruno Ville, o Ministério Público através do promotor Dr. Artur Forster Giovannini, o presidente da OAB/MG Dr. Marcell Voltani Duarte, o prefeito Luis Carlos da Silva e o presidente da Câmara Myller Bueno de Andrade. Criada em 1995, por meio da Resolução nº 296/1995, a honraria é entregue a cada dois anos a personalidades que se destacam pela prestação de serviços relevantes ao Judiciário e à sociedade mineira.

Diretor do Foro, Dr. Bruno Mendes Gonçalves Ville

A cerimônia, presidida pelo Juiz Diretor do Foro, Dr. Bruno Mendes Gonçalves Ville, seguiu o protocolo solene do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, reunindo autoridades do Poder Judiciário, Ministério Público, Prefeitura, Câmara Municipal, Polícia Civil, Polícia Militar, OAB, entidades comunitárias, servidores, familiares e amigos. A composição da mesa e da plateia refletiu a amplitude do trabalho realizado por Gustavo ao longo dos últimos anos e a profundidade da trajetória de José Henrique Portugal. A medalha, instituída pelo TJMG, homenageia aqueles que prestam serviços relevantes à Justiça e, para ser concedida, exige análise criteriosa por uma comissão composta por representantes do Judiciário, Ministério Público, Ordem dos Advogados, Executivo e Legislativo. Nada ali ocorre por acaso: trata-se de um reconhecimento embasado, consensual, que fortalece o sentido institucional da homenagem.

Antes de assumir a tribuna, Gustavo já carregava o mérito de ter transformado a Delegacia de Três Pontas em uma referência estadual. Em 2020, quando chegou ao município após experiências em Elói Mendes e Varginha, encontrou uma equipe dedicada, porém limitada por questões estruturais que comprometiam a fluidez e a agilidade das investigações. Com organização, estratégia, escuta e firmeza, iniciou um processo de reconstrução que redefiniu a identidade da unidade policial. Sob sua gestão, investigações ganharam maior visibilidade, operações complexas passaram a ser conduzidas com rigor técnico ampliado, apreensões relevantes de armas e drogas tornaram-se mais frequentes e crimes que impactavam fortemente a economia local — sobretudo tráfico e crimes patrimoniais envolvendo café, gado e máquinas agrícolas — passaram a ser enfrentados com mais inteligência e preparo operacional.

Dr. Bruno Mendes e o delegado Gustavo Gomes

Ao mesmo tempo, Gustavo se dedicou a reaproximar a polícia da cidade. Estreitamentos de relação com o Poder Judiciário, Ministério Público, Prefeitura, Câmara Municipal, Polícia Militar, Polícia Penal, imprensa local e entidades comunitárias, como o CONSEP Travessia, fizeram a Delegacia recuperar seu papel social e institucional. O diálogo constante, a transparência com a população e a articulação com outras forças de segurança fortaleceram a credibilidade da unidade. A participação de Gustavo no Três Pontas Atlético Clube (TAC) e em ações comunitárias ampliou essa presença, aproximando o delegado do cotidiano da cidade e reforçando a imagem de um gestor acessível, técnico e comprometido.

Em 2022, a evolução estrutural ganhou corpo com a inauguração da nova sede da delegacia. Mais do que um novo prédio, a mudança simbolizou a valorização institucional de um trabalho que vinha transformando a percepção da segurança pública em Três Pontas. A chegada de computadores modernos, equipamentos de inteligência, câmeras com reconhecimento facial, mobiliário adequado, novas ferramentas tecnológicas e readequações internas consolidou um ambiente mais funcional e preparado para atender às demandas crescentes. O salto de qualidade na estrutura reforçou o ritmo acelerado de produtividade e ampliou a capacidade de resposta da equipe.

Com organização interna aprimorada, em 2023 a Delegacia passou a priorizar a regularização de procedimentos acumulados, reduzindo passivos históricos e implementando fluxos de trabalho mais eficientes. Foi nesse contexto que, em uma visita do chefe do 6º Departamento da Polícia Civil, veio a informação que mudaria o patamar da unidade: Três Pontas figurava entre as Delegacias mais produtivas de Minas Gerais. O dado, que inicialmente surpreendeu a equipe, impulsionou um esforço ainda maior. Mês após mês, o desempenho aumentou até alcançar um feito histórico: ao final de 2023, com mais de 14 mil pontos registrados, Três Pontas tornou-se oficialmente a delegacia mais produtiva do Estado. Em 2024, o resultado se repetiu, consolidando a unidade como uma das mais atuantes e respeitadas de Minas.

A postura técnica, a produtividade excepcional e a capacidade de articulação institucional levaram Gustavo a ser promovido, em 2024, ao cargo de delegado Regional da Delegacia Rural de Varginha, além de ser designado para a Delegacia Especializada de Repressão a Crimes Orais. Mesmo diante das novas responsabilidades, manteve atuação constante em Três Pontas graças ao núcleo da Polícia Civil inaugurado no município. Por isso, a medalha recebida naquela tarde não celebrava apenas conquistas individuais, mas um ciclo de avanços institucionais que transformaram a segurança pública e fortaleceram o vínculo da cidade com sua delegacia.

No entanto, se a trajetória profissional emocionava, foi a dimensão humana que arrebatou o Salão. Gustavo abriu seu discurso lembrando que aquele prédio o acompanha desde a infância. Aos três anos, caminhava pelos corredores do Fórum acompanhando o pai, Duarte Bernardo Gomes, procurador de Justiça aposentado, que atuou na Comarca por três anos. Mais tarde, acompanhava a mãe, Sonia Maria Pires da Silva, que dedicou mais de duas décadas ao TJMG, atuando como escrevente e escrivã. Uma placa instalada na última reforma do prédio mantém o nome dela eternizado na história do Fórum. Gustavo contou que reencontrar esse espaço agora, como delegado homenageado, era viver uma espécie de ciclo que se fecha — ou, como ele mesmo definiu, “um regresso com renovação”.

Mãe do delegado Gustavo Gomes, Sonia Maria Pires da Silva

A mãe, condecorada com a mesma medalha em 2017, trouxe ao evento um dos momentos mais sensíveis. Lembrou que Gustavo cresceu observando o valor da justiça dentro de casa e que, desde muito cedo, demonstrava senso de equilíbrio e indignação diante de injustiças. Recordou o episódio de uma vizinha famosa por furar as bolas das crianças da rua. Ofendido pelo que considerava uma afronta ao direito de brincar, o pequeno Gustavo revidava com pequenas bolinhas de plástico que batiam na janela da senhora, fazendo estrondo suficiente para manifestar sua revolta infantil, mas sem causar danos. Era, segundo ela, o embrião lúdico de um senso de justiça que mais tarde se transformaria em vocação profissional. Em sua fala, Sonia descreveu a disciplina dos anos de faculdade, as apreensões do início da carreira e o orgulho de ver o filho construir uma trajetória marcada por coragem, respeito e humanidade.

Pai do delegado Gustavo, Duarte Gomes 

O pai, Duarte Bernardo Gomes, trouxe ao salão um discurso carregado de simbolismo e memória. Relatou sua chegada a Três Pontas em 1986, quando o município acolheu sua família, e lembrou que Gustavo, então com três anos de idade, foi “criado pela cidade”. Relembrou a passagem do filho pelo ensino fundamental e médio na cidade, a faceta disciplinada nos estudos de Direito em Belo Horizonte, o período como assessor no Tribunal de Justiça e o caminho até o concurso para delegado de polícia. Enfatizou que a carreira policial exige firmeza, mas também ética, sensibilidade e respeito — valores que ele reconhece diariamente no filho. Disse que a verdadeira autoridade nasce do caráter e não do cargo, e concluiu emocionado que Gustavo é um vencedor, alguém que honra a palavra e exerce com humildade o peso da responsabilidade pública.

O juiz responsável pela indicação de Gustavo para a medalha também trouxe reflexões importantes ao discurso. Dr. Bruno relembrou seus dois anos e meio de atuação na Comarca e afirmou que sempre encontrou profissionais dedicados, mas que a postura do Delegado se destacava pela rapidez e qualidade técnica de seus procedimentos, pelas fundamentações sólidas e pela forma respeitosa com que tratava as pessoas. Contou o episódio marcante de uma busca domiciliar em que, apesar do desconforto da situação, a família fez questão de elogiar a postura cordial e cuidadosa do Delegado, especialmente diante das crianças que estavam no local. Para o magistrado, reconhecer humanidade em meio a uma medida judicial é um dos maiores elogios que um servidor pode receber. Ele reforçou que a produtividade da delegacia não é fruto de acaso, mas de consistência e seriedade. Disse que, ao surgir a oportunidade de indicar um nome para a medalha, não teve dúvidas, porque o Fórum admira não apenas o delegado, mas o cidadão e o profissional íntegro que Gustavo representa.

Medalha póstuma

A tarde, porém, não se dedicou apenas ao presente. Também celebrou a memória de quem deixou marcas profundas no Tribunal de Justiça de Minas Gerais: José Henrique Portugal, servidor que dedicou mais de 40 anos ao fórum e cujo legado permaneceu vivo em cada lembrança trazida ao público. A juíza Dra. Raissa Figueiredo Monte Raso Araúlo, que conviveu com ele por 18 anos contou que José Henrique era sinônimo de agilidade, prestatividade, respeito e humanidade. Disse que ele amava o que fazia e que era daqueles profissionais capazes de transformar o ambiente de trabalho pela presença. Relatou que seu velório realizado dentro do próprio Fórum foi demonstração de prestígio, carinho e reconhecimento que ultrapassou o fim da vida. Para a colega, José Henrique representava o que existe de melhor no serviço público: compromisso, ética e afeto.

O juiz reforçou essa memória ao destacar que José Henrique sempre foi admirado no Tribunal e que sua trajetória representava a essência do que a Justiça pretende ser para a sociedade. A medalha póstuma, portanto, apenas formalizava aquilo que todos já sabiam: José Henrique foi um servidor extraordinário, alguém que dignificou seu trabalho e deixou um legado sólido e duradouro.

A filha, Aline Portugal, apresentou o discurso mais emocionante. Em um texto carregado de amor, reconhecimento e poesia, afirmou que retornar ao salão onde se despediram do pai não significava reviver a dor, mas transformar o espaço em memória luminosa, onde o legado dele seria celebrado. Disse que a medalha é confirmação de uma vida vivida com integridade, honestidade e profundo respeito pelo serviço público. Evocou Guimarães Rosa para lembrar que as pessoas não morrem, ficam encantadas, e afirmou que José Henrique permanece vivo nas memórias, nas amizades e na dignidade com que exerceu todas as etapas da vida. Declarou que o pai foi exemplo de simplicidade verdadeira, de alegria autêntica e de ética inabalável. E finalizou dizendo que ele sempre perguntava, com humildade: “Vocês acham que eu estou indo bem?” — frase que agora, diante de todos, recebia a resposta definitiva: sim, ele foi extraordinariamente bem.

O juiz Dr. Bruno Ville, a viúva de José Portugal Núbia Portugal, a filha Aline Portugal, o genro Johnnes Lopes Portugal e o delegado Gustavo Gomes

José Henrique Portugal também foi vereador por três mandatos e foi presidente da Câmara por duas vezes. Ele morreu aos 63 anos, em julho de 2023, depois de sofrer morte súbita em casa.

A filha de José Henrique Portugal, Aline Portugal

A cerimônia encerrou-se com a mesma solenidade com que começou, mas com uma atmosfera muito mais densa, afetiva e simbólica. O que se viveu ali foi mais do que um evento institucional: foi a celebração de duas trajetórias que, cada uma a seu modo, moldaram a história do Fórum de Três Pontas e deixaram marcas profundas na cidade. O reconhecimento ao delegado Gustavo Gomes e a José Henrique Portugal alinhou, em uma mesma cerimônia, a força da vocação, o peso da memória, a seriedade do compromisso público e a sensibilidade que vem da relação humana com a justiça.

Ao final, a sensação compartilhada por todos era de que aquela tarde não celebrou apenas medalhas, mas valores. Celebrou a cidade que forma seus filhos, acolhe seus servidores e reconhece aqueles que fazem a diferença. Celebrou o passado que construiu caminhos, o presente que honra esse legado e o futuro que se inspira nessas histórias para continuar avançando. Tanto Gustavo Gomes quanto José Henrique Portugal deixaram marcas que transcendem a cerimônia: estão gravadas na instituição, nas pessoas e na memória viva de Três Pontas.

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