

As autoridades de saúde confirmaram a ocorrência de botulismo iatrogênico em nove pacientes que se submeteram a procedimentos estéticos com toxina botulínica em Três Pontas (MG). O caso, considerado grave e inédito na região, mobiliza uma força-tarefa que envolve a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), Ministério da Saúde, Polícia Civil, Anvisa e os Conselhos de Odontologia.
Segundo a Santa Casa de Três Pontas, dois pacientes foram internados — um na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e outro na clínica médica — ambos estáveis e sob acompanhamento das equipes médicas. Os outros sete foram atendidos no Pronto Atendimento Municipal e liberados após observação médica.
Procedimentos sob suspeita
Todos os casos estão ligados a atendimentos realizados por um mesmo profissional, um cirurgião-dentista. Ele aplicava toxina botulínica em uma clínica de estética da cidade, onde atendia apenas uma vez por mês. A substância utilizada foi adquirida em Pouso Alegre (MG), onde o dentista também mantém uma clínica, que foi interditada pela Vigilância Sanitária por falta de alvará sanitário e de funcionamento.
Conforme boletim de ocorrência registrado na quinta-feira (10), a Vigilância Sanitária foi acionada após a internação dos dois primeiros pacientes com sintomas compatíveis com botulismo. Durante fiscalização na clínica de Três Pontas, o dentista não soube informar o paradeiro do frasco da substância utilizada. Inicialmente, negou ter atendido outros pacientes com o mesmo lote do produto, mas, posteriormente, entrou em contato com a fiscalização afirmando que havia encontrado registros de outras aplicações e que mais pessoas apresentavam sintomas.
Ainda segundo o BO, o acusado alegou que transportava os frascos da toxina em temperatura ambiente, justificando que o produto ainda não estaria diluído no momento do transporte — prática que também está sendo investigada.
Indícios de negligência e denúncias de pacientes
Famílias das vítimas acusam o dentista de negligência e afirmam que ele minimizou os sintomas, mesmo diante de sinais claros de complicações, como inchaço, dor intensa, paralisia facial e dificuldades respiratórias. Em um dos casos, uma paciente de 60 anos apresentou sintomas no dia seguinte ao procedimento. Ao procurar o profissional, foi tranquilizada de que os efeitos eram “comuns”, mas seu quadro se agravou nos dias seguintes.
O Conselho Regional de Odontologia de Minas Gerais (CRO-MG) acompanha o caso e pode abrir processo ético contra ele, o que pode resultar em sanções, incluindo a cassação do registro profissional, caso a conduta irregular seja confirmada.
Operações e investigações
A Polícia Civil já instaurou inquérito e os primeiros depoimentos devem ser colhidos nesta segunda-feira (14). A SES-MG confirmou que os primeiros sintomas começaram a ser notificados entre os dias 29 de junho e 8 de julho. Os registros envolvem sintomas como visão turva, boca seca, fraqueza muscular, distúrbios na fala, ptose palpebral (queda da pálpebra) e dificuldades respiratórias — típicos do botulismo.
A partir da notificação dos casos, uma série de medidas foi tomada, incluindo a mobilização de soro antibotulínico, coleta de amostras para análise, reuniões com equipes médicas, busca ativa por outros pacientes e orientação às unidades de saúde da região.
Foco nas toxinas e distribuidoras
Durante a apuração, a Vigilância Sanitária de Pouso Alegre identificou que uma distribuidora da cidade havia vendido 40 unidades do mesmo lote da toxina botulínica usada nos procedimentos investigados. Quatro clínicas que adquiriram o produto foram vistoriadas: em duas, os frascos foram usados sem relatos de reações; nas outras, os materiais foram interditados cautelarmente. A distribuidora, por sua vez, afirmou que o dentista não consta como cliente em seu sistema de vendas.
Defesa aponta possível falha na fabricação
A defesa do cirurgião dentista alega que o produto pode ter sido contaminado ainda na fábrica, e que ele apenas utilizou a substância conforme os protocolos estabelecidos. Segundo a nota enviada pela defesa, o dentista notificou as autoridades assim que identificou os sintomas nos pacientes e teria atuado com responsabilidade no encaminhamento ao atendimento hospitalar. A indústria farmacêutica responsável também foi notificada.
A proprietária da clínica, onde o profissional fez os procedimentos em Três Pontas, fez uma postagem nas redes sociais. Ela disse que o cirurgião dentista atua de forma independente, por meio de uma sublocação de uma sala. Ela afirma que, como esteticista, nunca realizou procedimentos injetáveis, como toxina botulínica ou preenchimentos.
A Secretaria Municipal de Saúde de Três Pontas informou que vai intensificar fiscalizações em clínicas estéticas da cidade para garantir a segurança dos procedimentos realizados. Segundo o secretário municipal Felipe Pereira Silva, os pacientes receberam o soro antibotulínico, quando indicado, e novas ações de orientação e vigilância já estão sendo realizadas.
Alerta sobre o uso da toxina
A toxina botulínica é amplamente usada em tratamentos estéticos, como o combate a rugas, e também em tratamentos clínicos como espasmos musculares e hiperidrose. Apesar de eficaz quando corretamente aplicada, qualquer falha no manuseio ou contaminação pode levar ao botulismo, uma doença rara e potencialmente fatal, que pode provocar paralisia respiratória.