Por Mariana Tiso, para Equipe Positiva

No dia 23 de setembro, a cidade de Três Pontas, em Minas Gerais, vivenciará um momento de profunda espiritualidade e homenagem com a festa do Beato Padre Victor. Celebrada anualmente na data de seu falecimento, em 1905, a festividade promete reunir devotos e visitantes em um tributo à vida de um sacerdote que desafiou as normas de seu tempo e se tornou um símbolo de fé e perseverança.

Imagem reproduz o que seria uma das únicas fotografias tiradas de Padre Victor (Foto: Arquivo Secretaria de Cultura de Três Pontas)

O livro de Gaetano Passarelli, teólogo italiano, narra a inspiradora trajetória de Francisco de Paula Victor, começando com um sonho. No início do século XIX, um jovem negro escravizado na Campanha (MG) revela ao seu mestre alfaiate seu desejo de se tornar padre. Naquele tempo, esse desejo parecia impossível para alguém de sua condição, mas a fé, por definição, é acreditar no que parece inatingível. Victor superou preconceitos e barreiras sociais, tornando-se o primeiro padre ex-escravo do Brasil. Em 5 de junho de 2015, o Papa Francisco proclamou um decreto sobre o milagre atribuído à intercessão de Padre Victor, que foi beatificado em 14 de novembro de 2015 e continua o processo de canonização em Três Pontas.

O que se conhece sobre Victor está registrado em poucos documentos que ele deixou e nas numerosas histórias passadas de geração em geração. Essas narrativas falam de sua humildade, dedicação total aos outros e persistência diante de obstáculos raciais. A vida de Padre Victor é uma prova de que a fé pode “remover montanhas” e que um sonho pode transformar uma época.

A vida em Campanha

Casarão em Campanha, MG, onde Padre Victor nasceu – em pé até atualmente (Foto: Samantha Silva / G1)

Padre Victor nasceu em um casarão na Rua Direita da Campanha (MG) em 12 de abril de 1827. O primeiro registro mostra que foi batizado oito dias depois pelo padre Antônio Manoel Teixeira. Naquela época, Campanha da Princesa da Beira era uma cidade antiga no Sul de Minas, povoada por fazendeiros em busca de ouro e seus escravos.

Apesar de ter nascido escravo, Victor não viveu como tal. Ele nasceu na casa de dona Marianna Bárbara Ferreira, que, contrariamente à prática comum da época, tratava seus escravos com dignidade. Victor foi especialmente querido por ela e acabou se tornando seu afilhado. Sob sua tutela, aprendeu a ler, escrever, tocar piano e falar francês. Foi ali que começou a sonhar.

Porão onde provavelmente os escravos dormiam no casarão de Campanha (Foto: Samantha Silva /G1)

O casarão onde Victor nasceu ainda está de pé, embora a Rua Direita tenha mudado de nome para Saturnino de Oliveira. Atualmente, o casarão abriga uma loja de artesanato administrada por Marisol Garcia da Luz e sua filha, Júlia da Luz, que se dedicam a preservar a memória de Padre Victor. Júlia, formada em turismo, chegou a fazer um trabalho acadêmico sobre a casa onde vive há uma década. Segundo ela, o casarão colonial sofreu algumas modificações após reformas, como a substituição das telhas e janelas, mas manteve sua essência histórica. Dona Marianna, conhecida por sua posição social e riqueza, era a responsável por proporcionar a Victor as condições para seu desenvolvimento.

O sonho revelado

Na época, jovens negros e escravos não eram aceitos em seminários católicos. A escravidão no Brasil só foi oficialmente abolida com a Lei do Ventre Livre em 1871 e a Lei Áurea em 1888. Mesmo excluindo suas características de nascença, Victor enfrentava dificuldades adicionais por ser filho de mãe escrava e pai desconhecido, conforme explica o bispo de Campanha, Dom Diamantino Prata de Carvalho.

Dom Diamantino, bispo de Campanha: ‘ele superou tudo com muita dignidade’. (Foto: Samantha Silva / G1)

Dom Diamantino, que acompanhou o processo de beatificação de Victor desde o início, ajudou-o em sua jornada. Ele observa que Dom Viçoso, então bispo, desempenhou um papel crucial, antecipando a importância da transformação social e ajudando Victor a entrar no seminário.

No entanto, o caminho não foi fácil. Após ser aceito no seminário, Victor teve que enfrentar um tratamento indigno, sendo tratado como serviçal e não como aluno. A resistência e o preconceito que enfrentou foram enormes, mas sua perseverança e dignidade transformaram a desconfiança em respeito e admiração ao longo do tempo.

Missão religiosa

Victor foi ordenado padre em 14 de junho de 1851 e retornou a Campanha para celebrar sua primeira missa. Depois, foi transferido para Três Pontas em junho de 1852, substituindo o vigário falecido. Curiosamente, Três Pontas tinha uma história ligada a aldeias de negros fugitivos, que foram destruídas para dar lugar aos capitães que tomaram posse da terra.

Fotografia que mostra a vila de Três Pontas (Foto: Arquivo Associação Padre Victor)

Em Três Pontas, Victor enfrentou novos desafios. A vila era composta majoritariamente por fazendeiros que se beneficiavam do trabalho escravo. Sua chegada não foi bem recebida por todos; alguns locais influentes expressaram desdém, mas o povo simples acolheu-o bem. Victor enfrentou agressões e hostilidade, mas sua bondade e dedicação à comunidade conquistaram até os fazendeiros mais ricos, e ele passou a ser conhecido como o lendário padre negro de Três Pontas.

Vida ao Outro

Foto mostra Padre Victor em Três Pontas; ainda se desconhece quem seria a família ao lado dele (Foto: Arquivo Secretaria de Cultura de Três Pontas)

Durante seu tempo em Três Pontas, Padre Victor ganhou a reputação de generosidade e caridade. Morando em uma casa simples e vivendo de doações, ele sempre ofereceu tudo o que tinha aos necessitados. Houve relatos de que ele até deu uma grande quantia de dinheiro a um homem pobre que veio pedir comida, sem pensar duas vezes sobre o que estava entregando. Seu comportamento de altruísmo era comum, e ele cuidava de um leproso, rejeitado pela sociedade, oferecendo-lhe abrigo e cuidados.

Padre Victor também era conhecido por sua habilidade em exorcismos, ajudando muitos a enfrentar e expulsar o mal. Não há registro de que ele tenha falhado em alguma ocasião.

Educando uma época

Embora estivesse dedicado a sua missão, Padre Victor também enfrentou desafios financeiros. A construção de duas importantes instituições demandava dinheiro, e as dívidas começaram a se acumular. Foi chamado a prestar contas ao bispo Dom Viçoso, seu antigo padrinho, e, ao chegar, Victor colocou seu chapéu em um lugar sem gancho, como um símbolo de sua situação desafiadora.

Casarão onde funcionou o Colégio Sacra Família e onde morou Padre Victor – foto de 1939, atualmente não existe mais (Foto: Arquivo Secretaria de Cultura de Três Pontas)

Victor viveu até 23 de setembro de 1905, quando faleceu em decorrência de um AVC. Sua escola formou pessoas influentes, como o primeiro bispo de Campanha, Dom João de Almeida Ferrão, e o médico Samuel Libânio, que hoje dá nome a um hospital em Pouso Alegre (MG).

Sua vida e virtudes foram além das dificuldades e preconceitos, mostrando um exemplo de fé e perseverança. Dom Diamantino destaca que Victor enfrentou perseguições e humilhações com uma visão cristã e uma força admirável. Júlia da Luz resume: “Ele foi um grande ser humano, uma pessoa de fé, autoconfiança e devoção. Morreu com a roupa do corpo, sendo realmente um homem de Deus.”

Igreja Matriz Nossa Senhora D’Ajuda em 1956 (Foto: Arquivo Secretaria de Cultura de Três Pontas)

Curiosidades

  • O Beato Padre Victor nasceu em Campanha, MG, em 12 de abril de 1827, durante a escravidão.
  • Era filho da escrava Lourença Maria de Jesus e, na adolescência, trabalhou como alfaiate.
  • Recebeu apoio do Bispo Dom Viçoso para ingressar no Seminário de Mariana, onde enfrentou várias humilhações.
  • Foi ordenado padre em 14 de junho de 1851 e atuou em Campanha e, posteriormente, em Três Pontas, onde fundou a Escola Sagrada Família.
  • O processo de beatificação começou em 1993, e o Padre Victor foi beatificado em 2015, com o processo de canonização em andamento.

O Beato Padre Victor é lembrado como o Anjo Tutelar de Três Pontas, e sua memória continua viva no coração das pessoas e na história da região. Suas virtudes e dedicação ainda inspiram muitos, e seu legado permanece intacto nas celebrações e nas recordações das pessoas.

Programação do Dia do Beato Padre Victor

Data: 23 de setembro (segunda-feira)

Alvorada:

    • Horário: 4:30
    • Local: Praça Cônego Victor
    • Atração: Corporação Musical Luiz Antônio Ribeiro
    • Procissão da Penitência:
      • Horário: 3:30
      • Coordenação: Paróquia Nossa Senhora Aparecida
      • Roteiro: Saída da Matriz Nossa Senhora Aparecida até a zona rural da Faxina
        Santa Missa na Capela Santa Cruz:

        • Horário: 6:00
        • Local: Capela do Padre Victor
          Horários de Missas no Santuário Diocesano Nossa Senhora da Ajuda:

          • 3h, 5h, 7h, 9h, 11h, 13h, 15h, 17h e 19h
          • Missa das 9h: Presidida pelo bispo de Campanha Dom Pedro Cunha Cruz

Queima dos pedidos 

Data: 29 de setembro (domingo)
Horário: Após a missa das 10h30
Local: Praça Cônego Victor

Fonte: Associação Padre Victor

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